Anti-hipertensivos específicos reduzem a incidência de diabetes

Nancy A. Melville

Notificação

23 de novembro de 2021

A redução da pressão arterial – que sabidamente previne as complicações vasculares do diabetes tipo 2 – também pode evitar o surgimento do diabetes, embora os efeitos variem de acordo com a classe de anti-hipertensivos, mostram resultados de nova metanálise.

Os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (ECA) e os bloqueadores do receptor da angiotensina 2 (BRA2) – os chamados bloqueadores do sistema renina-angiotensina (SRA) – mostraram uma associação mais forte com efeitos preventivos, enquanto, inversamente, betabloqueadores e anti-hipertensivos diuréticos tiazídicos foram associados a um maior risco de incidência de diabetes.

“Este estudo sugere que a redução da pressão arterial pode ajudar a prevenir o diabetes, além de seus efeitos benéficos bem estabelecidos na redução de eventos cardiovasculares”, escreveram Milad Nazarzadeh e colaboradores da Blood Pressure Lowering Treatment Trialists 'Collaboration no artigo publicado no periódico The Lancet.

“Os diferentes efeitos das classes de medicamentos embasam a escolha do anti-hipertensivo de acordo com o perfil de risco do indivíduo”, observaram Milad, da Deep Medicine, Oxford Martin School, University of Oxford, no Reino Unido, e seus colaboradores.

“Em particular, quando o risco clínico de diabetes for uma preocupação, os inibidores do sistema renina-angiotensina, inibidores da ECA e BRA, devem ser os medicamentos de escolha, enquanto os betabloqueadores e diuréticos tiazídicos devem ser evitados sempre que possível”, acrescentaram.

Em um editorial que acompanha o estudo, os Drs. Matthew A. Cavender e Robert C. Wirka, médicos da University of North Carolina, nos Estados Unidos, concordam que os novos achados, associados à grande quantidade de evidências anteriores, apontam para um importante papel dos medicamentos inibidores do sistema renina-angiotensina na prevenção do diabetes.

“Com base nas evidências acumuladas, incluindo os resultados dessas análises, o controle da pressão arterial, particularmente com a inibição do sistema renina-angiotensina, deve ser considerado uma possível estratégia para reduzir o risco de diabetes”, escreveram.

Eles observam que, embora “a redução do risco absoluto encontrada nesta meta-análise seja modesta, as intervenções com pequenos benefícios podem ter um efeito desproporcional quando aplicadas a doenças tão comuns como a hipertensão”.

Comentando os achados para o UK Science & Media Centre, o Dr. Marc George, Ph.D., responsável pelos cuidados com pressão arterial no University College London Hospital, no Reino Unido, disse: “A redução da pressão arterial evita casos de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e insuficiência renal, e esse grande e abrangente novo estudo publicado no The Lancet também mostra que reduz o risco de diabetes. Até agora, esse efeito não estava claro”.

O Dr. Kevin McConway, Ph.D., professor emérito de estatística aplicada, The Open University, Reino Unido, concordou: “Embora haja boas evidências de que reduzir a pressão arterial, se estiver muito alta, pode ter benefícios importantes para a saúde na redução do risco de infarto e AVC, não estava claro se a redução da pressão arterial poderia reduzir a chance de evoluir com diabetes tipo 2 no futuro. Este é um estudo impressionante”.

Bloqueadores do sistema renina-angiotensina associados a menor risco de diabetes

Os resultados são de uma metanálise de dados individuais de 19 estudos randomizados controlados por placebo realizados entre 1973 e 2008, com cinco classes principais de anti-hipertensivos: inibidores da ECA, BRA, betabloqueadores, diuréticos tiazídicos e bloqueadores dos canais de cálcio.

No total, os estudos incluíram 145.939 participantes – 60,6% eram homens.

Ao longo de um acompanhamento médio de 4,5 anos, 9.883 participantes evoluíram com diabetes tipo 2 incidente.

Aqueles tratados com inibidores da ECA ou BRA tiveram um risco relativo reduzido de diabetes incidente quase idêntico (redução de risco, RR, de 0,84 para ambos) em comparação com o placebo.

No entanto, o tratamento com betabloqueadores ou diuréticos tiazídicos foi associado a um risco aumentado de diabetes tipo 2 (RR = 1,48 e 1,20, respectivamente), consistente com evidências anteriores de que, especificamente os diuréticos tiazídicos de segunda linha e os betabloqueadores de terceira linha, aumentam o risco de diabetes.

Não foi observada redução ou aumento significativo do com o uso de bloqueadores dos canais de cálcio (RR = 1,02).

Para os inibidores da ECA e BRA, cada 5 mmHg de diminuição na pressão arterial sistólica foi associado a uma redução de 11% no risco de diabetes.

“A magnitude relativa da redução da pressão arterial sistólica em 5 mmHg foi semelhante àquelas relatadas para a prevenção de eventos cardiovasculares maiores”, afirmam os autores.

“Isso justifica a redução da pressão arterial por meio de intervenções eficazes no estilo de vida, bem como de tratamentos com anti-hipertensivos e, possivelmente, de terapias com dispositivos”, dizem eles.

Por outro lado, a pesquisa sugeriu que cada aumento de 20 mmHg na pressão arterial sistólica está associado a um aumento de até 77% no risco de diabetes tipo 2; no entanto, a causalidade dessa associação é incerta, observaram os autores.

Resultados preenchem lacuna nas evidências para as diretrizes

Os resultados da metanálise foram posteriormente validados em uma análise de randomização mendeliana suplementar, que usou dados do estudo de associação do genoma do Consórcio Internacional para Pressão Arterial e do UK Biobank. A análise mostrou que pessoas com variantes genéticas que têm um efeito semelhante aos inibidores da ECA e BRA na via do sistema renina-angiotensina também tiveram um risco reduzido de diabetes.

Sobre este ponto, o Dr. Dipender Gill, Ph.D., professor de farmacologia clínica e terapêutica na St George's, University of London, disse ao UK Science and Media Centre: “Este é um estudo abrangente que triangula ensaios clínicos e dados genéticos para encontrar embasamento para os efeitos da redução da pressão arterial por meio de agentes farmacológicos específicos sobre o controle glicêmico e o risco de diabetes tipo 2”.

Milad e colaboradores dizem que a incerteza sobre se a redução no risco de diabetes é causada pela própria redução da pressão arterial ou por algum outro efeito dos anti-hipertensivos, significa que faltam recomendações de diretrizes sobre o papel dos anti-hipertensivos.

No entanto, os autores afirmam que “nosso estudo preenche essa lacuna na evidência usando dados de participantes individuais de ensaios clínicos randomizados e avaliando os efeitos de um grau fixo e padronizado de redução da pressão arterial”.

“Com resultados consistentes de ensaios clínicos randomizados e análises genéticas, mostramos que a pressão arterial elevada é de fato um fator de risco modificável para a incidência de diabetes tipo 2, com um tamanho de efeito relativo semelhante aos observados para a prevenção das principais doenças cardiovasculares”, afirmam.

Os autores das diretrizes de hipertensão devem seguir o exemplo da ESC

De acordo com as diretrizes da European Society of Cardiology (ESC), os inibidores do sistema renina-angiotensina (em combinação com um bloqueador do canal de cálcio ou diurético tiazídico) têm uma recomendação de classe 1 para o tratamento da hipertensão, no entanto, as sociedades de diabetes e cardiologia nos Estados Unidos apenas recomendam uma preferência para um inibidor do sistema renina-angiotensina sobre outros agentes para pacientes com albuminúria associada.

Mas com cerca de 13% dos estadunidenses tendo diabetes e impressionantes 34,5% com pré-diabetes, a necessidade de mais medidas para lidar com o problema é urgente, afirmam os Drs. Matthew e Robert em seu editorial.

“Talvez esses dados sejam suficientes para encorajar os redatores das diretrizes de hipertensão nos Estados Unidos a seguir o exemplo da ESC em tornar os inibidores do sistema renina-angiotensina o tratamento de hipertensão de primeira linha para todos os pacientes e não apenas para aqueles com albuminúria”, afirmam.

O Dr. Matthew informou receber fundos de pesquisa da Amgen, AstraZeneca, Boehringer-Ingelheim, CSL Behring, e Novartis, taxas de consultoria da Amgen, AstraZeneca, Bayer, Boehringer-Ingelheim, Boston Scientific, Edwards Lifesciences, Merck, e Novo Nordisk. As declarações dos demais autores estão listadas no artigo. Os Drs. Robert e Marc informaram não ter conflitos de interesses. O Dr. Kevin é um administrador da SMC e membro de seu comitê consultor. O Dr. Dipender é empregado em tempo parcial pela Novo Nordisk.

Lancet. 2021;398:1778-1779, 1803-1810. Texto completo Abstract

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