Câncer de endométrio recidivante ou metastático: uma análise da conduta de especialistas brasileiros

Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)

Notificação

21 de abril de 2023

Estimativas apontam que, em 2023, serão registrados mais de 7.800 novos casos de câncer do corpo do útero no Brasil. [1] Entre 1988 e 2007, a incidência da doença no país cresceu quase 5%, o terceiro maior aumento observado em todo o mundo. [2,3,4] Neste cenário de alerta, o estudo brasileiro Management of patients with recurrent/metastatic endometrial cancer: Consensus recommendations from an expert panel from Brazil publicado no periódico Frontiers in Oncology [5] vem ajudar os profissionais do país a lidar com casos de câncer do endométrio, o tipo mais prevalente de tumor do corpo do útero. O artigo traz recomendações para o controle de quadros recidivantes ou metastáticos, especialmente quanto ao uso de testagem molecular e de alternativas terapêuticas.

Conversamos com o Dr. Diocésio de Andrade, afiliado ao Instituto Oncológico de Ribeirão Preto (InORP) do Grupo Oncoclínicas, que coordenou a pesquisa junto com a Dra. Andréa Gadelha, afiliada ao Hospital A. C. Camargo Cancer Center, e com o Dr. Fernando Maluf, afiliado ao Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo. Os três oncoginecologistas atuam também no Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA).

Para o estudo publicado em março, os pesquisadores elaboraram 50 questões de múltipla escolha sobre o tratamento de pacientes com câncer de endométrio metastático ao diagnóstico ou recidivante sem possibilidade de controle local. As perguntas foram respondidas por 20 especialistas em oncoginecologia.

Houve consenso em metade das questões, isto é, em 25 das 50 perguntas, pelo menos 75% dos participantes escolheram as mesmas respostas. E, para outras 23 questões, embora não tenha havido consenso, entre 50% e 75% dos especialistas optaram pela mesma alternativa.

Entre as principais recomendações indicadas pelos participantes estão a inclusão de testes moleculares para todas as pacientes com câncer de endométrio metastático ou recidivante. Quanto aos marcadores, a maioria apontou como fatores essenciais para a escolha da primeira linha terapêutica a análise de instabilidade de microssatélites (ou seja, alterações no tamanho de sequências repetitivas de ADN por inserções e deleções de nucleotídeos, que são indicativas de um defeito no mecanismo de reparo de ADN) e do receptor tipo 2 do fator de crescimento epidérmico humano (HER2+, do inglês Human Epidermal Growth Factor Receptor 2).

Os especialistas consultados concordaram ainda que quimioterapia com carboplatina e paclitaxel deve ser o tratamento de primeira linha para pacientes com tumor negativo para HER2, enquanto, para os casos positivos para HER2, eles apontaram que o mais indicado seria acrescentar trastuzumabe. No tratamento de segunda linha, a recomendação mais escolhida foi de, além de avaliar previamente a instabilidade de microssatélites e o HER2, analisar também níveis de ligante 1 da morte celular programada (PD-L1, sigla do inglês Programmed Death-Ligand 1) e receptores hormonais. Já com relação ao tratamento, o uso de pembrolizumabe + lenvatinibe foi apontado como principal alternativa, independentemente dos resultados de HER2, PD-L1 ou receptores hormonais.

Segundo o Dr. Diocésio de Andrade, quando se trata de marcadores moleculares, os mais importantes para pacientes com câncer de endométrio recidivante ou metastático são, de fato, instabilidade de microssatélites, HER2 e, ainda, P53. “Por exemplo, se a paciente tem instabilidade de microssatélite, a imunoterapia tem mais resultado do que naquelas com estabilidade", disse, lembrando que, no caso da proteína HER2, o resultado positivo para esse marcador possibilita lançar mão de medicamentos anti-HER2, tal como o trastuzumabe.

Algumas recomendações apontadas pelos especialistas consultados, no entanto, ainda estão distantes de muitos brasileiros, afirmou o pesquisador. Isso porque o Sistema Único de Saúde (SUS) só disponibiliza quimioterapia e hormonioterapia para pacientes com câncer de endométrio recidivante ou metastático. No Brasil, o acesso à imunoterapia e à terapia-alvo ainda é restrito aos serviços de saúde privados.

Quanto à testagem molecular, embora seja realizada em alguns serviços de saúde públicos, ainda não está amplamente disponível no SUS.

Apesar do acesso limitado à imunoterapia no Brasil, o tratamento tem sido cada vez mais adotado no mundo todo. Segundo o Dr. Diocésio, no final de março e após a publicação do consenso brasileiro, foram apresentados no congresso de 2023 da Society of Gynecologic Oncology resultados de dois estudos (RUBY e NRG-GY018) que trazem uma nova perspectiva para este tratamento. De acordo com os dados, que também foram publicados no New England Journal of Medicine, [6,7] a imunoterapia é capaz de melhorar a sobrevida livre de doença de pacientes com câncer de endométrio avançado quando utilizada como tratamento de primeira linha associado à quimioterapia. “A oncologia está em uma crescente evolução. E, agora, com estes últimos trabalhos, a imunoterapia, antes utilizada em segunda linha, já passa a ser [tratamento de] primeira linha junto com a quimioterapia”, explicou o médico. 

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